segunda-feira, 22 de junho de 2020

Portugal 47: Na véspera de Natal, a monumental Sé Nova

...era um claustro deserto, as capelas mergulhadas na sombra. Uma fita plástica de luz iluminava apenas o centro da sagrada família e uma estrela incrustada de pequenas lâmpadas coloridas, de tamanho desconforme, colava à parede fria vultos de pastores, carpinteiros, moleiros, lavadeiras e outras figuras de barro.


A caixa das esmolas do presépio, alta como uma torre, que as minhas mãos baloiçaram no mesmo impulso, nenhum sinal deu de moedas tinindo ou do farfalho das notas: estava vazia.
Sentados lado a lado, partilhando um único banco, dois velhos clérigos conversavam e o diálogo, que o telemóvel entrecortava e devia guardar a voz do interlocutor ausente, soava nitidamente nas arcadas como uma polifonia presente e longínqua.
No corredor atravancado pelos toscos expositores de vidro, dezenas de relicários amontoados exibiam o que resta do poder e pompa religiosa dos jesuítas, lâminas de osso mirrado de luz, ampolas de sangue irreconhecíveis, braços de prata, pequenas urnas de mármore, caixilhos de pau-santo, a seda e o cetim desbotados, a bordadura de ouro em farripas, os buracos das pérolas… e representações de santos, que a própria memória dos padres aventureiros e severos mestres da Universidade, esqueceu.

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