...era um claustro deserto, as capelas mergulhadas na sombra. Uma fita plástica de luz iluminava apenas o centro da sagrada família e uma estrela incrustada de pequenas lâmpadas coloridas, de tamanho desconforme, colava à parede fria vultos de pastores, carpinteiros, moleiros, lavadeiras e outras figuras de barro.
A caixa das esmolas do presépio, alta como uma torre,
que as minhas mãos baloiçaram no mesmo impulso, nenhum sinal deu de moedas tinindo
ou do farfalho das notas: estava vazia.
Sentados lado a
lado, partilhando um único banco, dois velhos clérigos conversavam e o diálogo,
que o telemóvel entrecortava e devia guardar a voz do interlocutor ausente, soava
nitidamente nas arcadas como uma polifonia presente e longínqua.
No corredor atravancado
pelos toscos expositores de vidro, dezenas de relicários amontoados exibiam o
que resta do poder e pompa religiosa dos jesuítas, lâminas de osso mirrado de
luz, ampolas de sangue irreconhecíveis, braços de prata, pequenas urnas de
mármore, caixilhos de pau-santo, a seda e o cetim desbotados, a bordadura de
ouro em farripas, os buracos das pérolas… e representações de santos, que a própria
memória dos padres aventureiros e severos mestres da Universidade, esqueceu.
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