sexta-feira, 29 de abril de 2011

Portugal 4: Tínhamos uma tradição que vinha das famílias populares.


Tínhamos uma tradição que vinha das famílias populares. Não apenas um enorme esforço, mas o próprio
sofrimento era o preço a pagar para que os filhos estudassem ou emigrassem para a cidade. Depois era a sua vez de ajudarem os irmãos e os pais. Esses valores desapareceram. Como se fora uma coisa natural para os novos juvenis e a vida um exclusivo. Ei-los que partem e quando dobram a cabeça sobre o ombro, o olhar diz adeus.

Foi essa tremenda capacidade de sofrimento que aguentou a guerra treze anos em três frentes. O exército americano, a elite guerreira, não teria aguentado três anos, a sede, mesmo a fome, e a saudade.

É altura da reconciliação. Deixar os mortos dormir em paz. Deixar os vivos morrer em paz. Não era preciso ter derramado sangue, ou saltar a fronteira. Não regressaríamos com os novos capitães de negócios. Continuaríamos nas savanas, nas bolanhas, nas roças, nas florestas de chuva, nas praias de areia finíssima…Seríamos médicos, professores e comerciantes, jogaríamos golfe bafejados pelas brisas tropicais e sentiríamos os aromas do mar e das árvores perfumadas, a cortiça cálida.

Sob um outro tecto de estrelas, convocaríamos Luís de Camões, já completamente cego e cuidaríamos da sua alma em modernos hospitais de imaculada brancura. E chamaríamos pelo nome os pilotos que jazem sob os corais, teríamos crianças com todos os sangues misturados e velejaríamos com elas em gaivotas prateadas por todos os quadrantes solares.

Penso nisto e sorvo o ar em grandes austos. As palavras são tesselas de mosaicos e o desenho das formas televisivas imita apenas as suas linhas. É certo que a imagem prevalece. Mas notem, porque reduzem as criaturas das novelas a figuras planas? Sabiam que o segredo do sucesso destas séries foi copiado dos gregos e romanos!? Os equívocos, a trama que se desenha como um destino fatal… mas a grandeza, o labirinto dos sentimentos humanos, o fervilhar dos seus níveis de consciência, o tumulto dos corações humanos, como pode caber num cromo?

Ensina-se um animal a comer, ensina-se um ser humano a consumir e, quando se habituar ao alimento mais indigno reforça-se a dose. O bicho engordará o enxúdio, nessa massa flácida boiarão o cérebro e duas válvulas, de entrada e saída.

Enriquecer não é uma arte. Mas um ofício. Enganam-se sobre a dureza dessa vida. Ela é difícil e pouco grata. Exige desprendimento total: a máquinas e homens o mesmo tratamento. Se não funcionam, abandonam-se. Há duas pontes que conduzem a esse caminho: uma é a política, outra, a herança. Têm apenas um sentido: Não há regresso desse outro lado, é preciso viver aí, entre pares, pelo menos por cento e cinquenta anos. Pagar cada passo, gesto, beijo, sorriso…

Há regras de bronze: ter uma religião. Continuar a pisar o cadáver do comunismo com os próprios pés. Insisto, não serve de desculpa se está morto ou moribundo, a nossa faca tem de lhe cortar tripas ou cingir o pescoço. Ou, simplesmente, virar-lhe costas nos momentos de estertor. Sabemos que o velho Marx colocou a economia fora da esfera da moral, e tornou o mercado transparente. Usaremos o seu método sem jamais o citarmos, para entender o mundo, e nunca para o transformar. Na lapela poderemos, então, colocar o botão da rosa, até uma estrela, ou melhor ainda, o cravo branco, amarelo, o cravo sem cabeça, ou a bandeira nacional, ou a bandeira comunitária, ou um peixe…



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