sexta-feira, 22 de abril de 2011

Portugal 2: Os pequenos ribeiros têm árvores nas margens que lhes seguram os taludes...

Os pequenos ribeiros têm árvores nas margens que lhes seguram os taludes: são freixos e amieiros. Mas
estão muros enterrados onde a terra é branda. Nos dias tórridos há frescura nestes recantos. Mesmo quando a água é apenas uma memória, coada de verde nas poças inertes. E, de súbito, o declive acentua-se. Entre o silvado emergem pedras grossas. Do alto do penhasco rasgou-se uma vala profunda e densa. Eis o ribeirão, a casa esventrada assinala o promissor encontro das águas correntes.

Tudo isto nos escapa. E, contudo, talvez não tenham passado mais de cinquenta anos de abandono.

Penso na matemática. Numa conta que podia fazer com a álgebra elementar. Quantas aldeias existem? De que dimensão? Ou, mais simplesmente. Tiro uma média fiável e multiplico pelo número de povoações. Calculo quantas casas entram em ruína cada ano. É pelo telhado que a decrepitude chega. Curioso sortilégio da nossa humana condição. Ao contrário, o cérebro envelhece mais tarde e, talvez estejam certos os psicólogos que acham na quarta idade uma nova sabedoria, uma nobreza e dignidade e, sobretudo, menos egoísmo, maior sentido e humanidade, pelo menos, de algumas existências. Mas onde fica o cérebro da casa? No telhado? Ou será nos alicerces que reside a força do equilíbrio de todas as partes e, ainda, a resistência ao derradeiro desaparecimento. Ou será afinal o conjunto, a planta e os seus alçados, cada insignificante peça a provar que não há em toda a construção duas pedras iguais. São assim as ruínas arqueológicas: um chão de telha quebrada em mil pedaços e pequenos cotos de madeira, ou, simplesmente a terra negra, como a marca das florestas geológicas nos seus sedimentos.

Mas regresso às casas. Quanto valem estas construções? Que trabalho socialmente necessário para as erguer aqui está capitalizado? Quanto perdemos cada ano na sua ruína? Os valores sobem assustadoramente no meu cálculo, dois por cento do PIB? E do alto desta montanha sinto apenas um silêncio gelado. Nem uma queixa, um aviso, um protesto. Não havia economistas disponíveis, nem financeiros derreados pelo número, nem jornalistas engravatados como administradores…nada, ninguém, ignorância, indiferença política, calculismo por subtracção? Para lá da fronteira urbana, nada pesa na sua consciência, ou melhor, pesa como uma pena. A pena, lembra-me outra coisa, o dó! A esquerda não leu Engels e a sua Questão camponesa. Não construiu fábricas onde só havia camponeses sem instrução nem higiene. Como esses ingleses que trouxeram as tecnologias de extracção do rádio e do urânio, mas também dos dentes, dos piolhos, da higiene industrial que preserva a força de trabalho assalariada. Nem Santos aqui gastaram as suas sandálias, disse-o Aquilino, que ao colher a sua voz, lhe deu gramática e sintaxe, e tendo forjado uma nova linguagem literária trinta anos antes da Nova Literatura levou em cima com o rótulo de regionalista como se só o urbano tivesse o génio do universal! A esquerda criou creches, e escolas, mas desconfiou sempre do pequeno camponês avaro de terra. A direita emigrou para a cidade e vestiu-lhe a fatiota, deixou os votos seguros e entregues aos feitores, aos cabos, aos regedores, aos curas. A esquerda acha desproporcional o esforço e o ganho e por isso desce ao campo como o pregador em dia de Páscoa, uma vez por festa.



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