terça-feira, 2 de agosto de 2011

Portugal 5: Isso de mudar o mundo merece mais tempo de reflexão.

Isso de mudar o mundo merece mais tempo de reflexão.O que nos distingue dos outros seres, vivos e
inanimados? Não é a inteligência, superior nos golfinhos. Não é a moral; a baleia de cérebro grosseiro deixa-se matar ao apelo das crias capturadas e na comunidade dos abutres do Egipto nenhum indivíduo volta a comer senão depois de todos os outros o terem feito. Não é o engenho, macacos e corvos elaboram instrumentos. Dor e sentimento partilhamo-los com todos os mamíferos e os mais ferozes carnívoros poupam a vida dos seus semelhantes derrotados… Então o que nos torno únicos e idênticos? A capacidade de fazer arte e um dom trágico. Nenhuma outra espécie criou condições para se destruir completamente e arrastar consigo toda a cadeia da vida. Seja pelas bombas termonucleares, ou pela lenta destruição dos recursos naturais e sobretudo do solo arável, da água potável, do ar respirável e com o aquecimento global, tornámos realidade os quatro cavaleiros do apocalipse e o seu galope está em marcha pelas ruas das nossas magníficas metrópoles. E nada era inevitável, ainda íamos a tempo, provou-o a aplicação do convénio de Montreal que começou a regenerar a camada do ozono. Ao pé desta obra Gengis Cão não passa de um aprendiz de carniceiro, Von Braun e Kornilov, esse, que criou os foguetes soviéticos antes de qualquer outro e fez chegar a Humanidade ao espaço sideral, serão mil vezes amaldiçoados, na hora do nosso holocausto…a beleza das fórmulas matemáticas de Einstein desenhará nos céus a velha caveira, e tudo isto, obra nossa, da nossa Idade, do nosso tempo, da nossa sacrossanta democracia plural.

Deixaremos no vórtice universal as cinzas de todas as artes: talvez sobreviva de novo um torso grego e um braço decepado de Miguel Ângelo na cúpula arruinada da Capela Cistina. E as esculturas de Giacometti, tão esguias que o vento nuclear apenas as fará estremecer e rodopiará impotente sobre os corpos maciços de Moore. Das árvores tenho a esperança que, ainda desta vez, fiquem ao menos os cepos das canforeiras, triunfantes em Hiroxima da primeira bomba, agora petrificados em monumento à nossa estupidez incomensurável, que não escutou as preces do próprio diabo, o que ardeu em pedaços nas duas cidades japonesas, irmão na morte de Buda e Jesus. Entre todos os Picassos acredito que ficará a mancha de Guernica, protegida pelo humor negro de um arcanjo sobrevivente, S. Miguel, que partirá em seguida, à procura de um novo criador mais sensato e piedoso. Garanto-vos, que nenhum livro, nenhum tratado de Direito, nenhum palácio de vidro, nenhum exército, mesmo que se esconda por detrás das rochas câmbricas ou mergulhe nas profundezas dos Urais ou das Fossas do Mindanau, poderá salvar o seu Estado Maior. E, nesse momento, talvez se cumpra a profecia, e as almas dos soldados, finalmente vingadas, ressuscitarão por momentos e extinguir-se-ão em paz.

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