Há no planalto do rio Dão um sem número de antas e sepulturas cavadas na pedra. São os únicos vestígios
de uma primeira civilização de agricultores, que ergueu estes esteios para ligar a terra à memória dos patriarcas que aprenderam a multiplicar as plantas e guardavam os segredos da domesticação dos animais. Eram velhos de longas barbas que nunca dormiam: a aurora via-os passar o cercado da aldeia apoiados num duro cajado de castanho, um bando de cães gigantescos guardavam-lhe os passos. Colhiam bolbos, ervas e frutos secos nas clareiras e regressavam com a estrela da tarde. Também nunca comiam. Só eles conheciam as sendas profundas da floresta, a casa do urso, e as rapinas mais temíveis vinham docemente pousar no braço descarnado e comiam-lhe na mão. Os aldeãos seguiam respeitosamente os seus gestos, aprendiam a reconhecer as sementes, a colher apenas os cogumelos mais toscos e grosseiros, guardando-se das polpas suculentas e das bagas, berrantes de vermelho, branco, amarelo e azul, que faziam sonhar com monstros e, às vezes, lhes devoravam as entranhas, lançando os restos em sangue e espuma pela boca dos agonizantes.
de uma primeira civilização de agricultores, que ergueu estes esteios para ligar a terra à memória dos patriarcas que aprenderam a multiplicar as plantas e guardavam os segredos da domesticação dos animais. Eram velhos de longas barbas que nunca dormiam: a aurora via-os passar o cercado da aldeia apoiados num duro cajado de castanho, um bando de cães gigantescos guardavam-lhe os passos. Colhiam bolbos, ervas e frutos secos nas clareiras e regressavam com a estrela da tarde. Também nunca comiam. Só eles conheciam as sendas profundas da floresta, a casa do urso, e as rapinas mais temíveis vinham docemente pousar no braço descarnado e comiam-lhe na mão. Os aldeãos seguiam respeitosamente os seus gestos, aprendiam a reconhecer as sementes, a colher apenas os cogumelos mais toscos e grosseiros, guardando-se das polpas suculentas e das bagas, berrantes de vermelho, branco, amarelo e azul, que faziam sonhar com monstros e, às vezes, lhes devoravam as entranhas, lançando os restos em sangue e espuma pela boca dos agonizantes.
Uma qualquer manhã, quando as mulheres chegavam à sua modesta cabana de colmo para varrer do chão as folhas mortas, mudar a palha das esteiras e encher de novo o vaso de água fresca, encontraram o velho de olhos fixos no sol nascente e depois de chorarem lágrimas silenciosas, entenderam o corpo sem peso numa mesa de granito, lavaram-no cuidadosamente com água das nascentes, já então consagradas como fonte da vida e aspergiram-no usando ramos de murta...amortalharam-no enfim numa túnica de lã...entretanto, todos os homens da aldeia, os jovens, rapazes ou raparigas, até as crianças, começaram a escavar o seu túmulo. Cobriram-no de pedra para que o corpo se consumisse lentamente entre o sal do granito e o musgo, e nenhum animal lhe pudesse tocar, abriram um caminho estreito e protegido por grosso portal, para continuar a visitá-lo. Tempo houve em que novas câmaras foram abertas e depois cobertas de terra fresca, para que os seres humanos, como todas as criaturas e seres inanimados, alimentassem por igual o húmus fértil da terra-mãe. Percebeu-se então que o estertor das almas saindo do corpo dos animais abatidos e de todos os moribundos, alimentava os ventos e soprava as flores dos rebentos para que o renascimento se consumasse, e as almas foram adoradas, sobretudo no cume das montanhas onde se juntavam em turbilhões e no passo das encruzilhas, quando rondavam o caminho protector dos seus antigos lares.
Depois o homem encontrou vales mais férteis e pastagens sempre verdes e rios jovens e úberes de peixe, escavando novos leitos, seguiu-lhes o passo, regressou ainda, por muitas gerações, mas sem os cuidados da aldeia próxima, a tempestade fez ruir os esteios, a poeira sepultou-os e, perdida a memória da terra, começou a primeira idade das trevas.
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