sábado, 2 de maio de 2020

Portugal 26: O Paulinho não é um herdeiro de família, mas o quarto filho de um resineiro e de uma camponesa.


Não teve os carinhos reservados ao primeiro e ao benjamim. A pobreza obriga-o a usar uns óculos de lentes grossas, que parecem afastar ainda mais as raparigas. Mas a vox poppuli apadrinhou-o com a ternura do diminutivo e adivinhou, não só um coração de ouro, mas uma alma sensível como as dos artistas. Os seus olhos perscrutam tudo e compreenderam a condição humana do seu mundo rural. Há uma infinita doçura no modo como a sua inteligência olha o álcool e a comida em excesso, fome e dor seculares que é forçoso saciar. Há uma imensa dignidade no seu genuíno desprendimento dos bens de consumo citadinos. A luz pode faltar em sua casa, não por desprezo pela informação e a instrução, mas porque a casa é apenas abrigo e não o símbolo do poder social da família. Admira a vastidão do mundo e as suas riquezas, mas vive bem com o prazer simples das excursões de amigos e vizinhos, ao futebol domingueiro, à cidade dos museus e monumentos, às amendoeiras em flor e ao azul do mar. A vida tem destes paradoxos: acende no firmamento a brilhante centelha de um dos seus seres mais raros e extingue sem rasto de luz o seu modesto destino.


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