Não teve os
carinhos reservados ao primeiro e ao benjamim. A pobreza obriga-o a usar uns
óculos de lentes grossas, que parecem afastar ainda mais as raparigas. Mas a
vox poppuli apadrinhou-o com a ternura do diminutivo
e adivinhou, não só um coração de ouro, mas uma alma sensível como as dos
artistas. Os seus olhos perscrutam tudo e compreenderam a condição humana do
seu mundo rural. Há uma infinita doçura no modo como a sua inteligência olha o
álcool e a comida em excesso, fome e dor seculares que é forçoso saciar. Há uma
imensa dignidade no seu genuíno desprendimento dos bens de consumo citadinos. A
luz pode faltar em sua casa, não por desprezo pela informação e a instrução,
mas porque a casa é apenas abrigo e não o símbolo do poder social da família.
Admira a vastidão do mundo e as suas riquezas, mas vive bem com o prazer
simples das excursões de amigos e vizinhos, ao futebol domingueiro, à cidade
dos museus e monumentos, às amendoeiras em flor e ao azul do mar. A vida tem
destes paradoxos: acende no firmamento a brilhante centelha de um dos seus seres
mais raros e extingue sem rasto de luz o seu modesto destino.
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