segunda-feira, 16 de maio de 2016

Portugal 20: Sabeis quem escreveu?“Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto...


Sabeis quem escreveu?

“Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos

                                                                                   [tanto

não é senão essa alegria que vem

de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez

alguém está menos vivo ou sofre ou morre

para que um de vós resista um pouco mais

à morte que é de todos e virá.”

 

Depois de escritos estes pensamentos, cem obras de filosofia, sobretudo sobre a ética, tornaram-se como que desnecessárias e prolixas.

Mas eles assustaram sobretudo os donos do poder e criaram a todos os activistas e militantes das causas sociais um novo dilema, aquele que o velho Engels tentou resolver na sua reflexão sobre o papel da violência na história. Até que ponto a legítima defesa, de um ser humano, de uma classe ou de uma nação, justificam o sacrifício de uma vida humana, sobretudo se ela é única e irressuscitável? E, acima de tudo, se é à sua custa que triunfamos e sobrevivemos?

Foi nesse tempo que se fizeram de novo autos de fé com os livros, mas com esta obra, o silêncio, o silêncio do esquecimento, o silêncio das cátedras reservadas, o silêncio das televisões apagadas, o silêncio entre os tipos alinhados dos semanários, o silêncio dos rádios desligados, o silêncio das tertúlias com holofotes, o silêncio, que proclama que estas palavras nunca foram escritas, que o seu autor não tem pátria de regresso, nem bustos nos jardins, nem lápides nas universidades, o mesmo pesado silêncio que envolveu Camões na vala comum, e deixou o grande capitão Salvador Correia de Sá sozinho nas escadas vazias do palácio real, o silêncio mortal que habitava a cela de Damião de Góis e acompanhou a exumação e despejo dos pobres ossos de Horta no Mandovi pelos seus inquisidores, o silêncio que queimou as cartas de Manuel Bocarra Francês, ha! o silêncio que cozeu a boca do operário erudito do Arsenal, o que fundou bibliotecas nas oficinas, da melhor literatura, não apenas das técnicas e ofícios, ele também flagelado do vento leste, em Cabo Verde… Este silêncio português que nos rouba o corpo e as almas dos estrangeirados.

Sem comentários:

Enviar um comentário