Sabeis quem
escreveu?
“Acreditai que a
dignidade em que hão-de falar-vos
[tanto
não é senão essa
alegria que vem
de estar-se vivo
e sabendo que nenhuma vez
alguém está
menos vivo ou sofre ou morre
para que um de
vós resista um pouco mais
à morte que é de
todos e virá.”
Depois de
escritos estes pensamentos, cem obras de filosofia, sobretudo sobre a ética,
tornaram-se como que desnecessárias e prolixas.
Mas eles
assustaram sobretudo os donos do poder e criaram a todos os activistas e
militantes das causas sociais um novo dilema, aquele que o velho Engels tentou
resolver na sua reflexão sobre o papel da violência na história. Até que ponto
a legítima defesa, de um ser humano, de uma classe ou de uma nação, justificam
o sacrifício de uma vida humana, sobretudo se ela é única e irressuscitável? E,
acima de tudo, se é à sua custa que triunfamos e sobrevivemos?
Foi nesse tempo
que se fizeram de novo autos de fé com os livros, mas com esta obra, o
silêncio, o silêncio do esquecimento, o silêncio das cátedras reservadas, o
silêncio das televisões apagadas, o silêncio entre os tipos alinhados dos
semanários, o silêncio dos rádios desligados, o silêncio das tertúlias com
holofotes, o silêncio, que proclama que estas palavras nunca foram escritas,
que o seu autor não tem pátria de regresso, nem bustos nos jardins, nem lápides
nas universidades, o mesmo pesado silêncio que envolveu Camões na vala comum, e
deixou o grande capitão Salvador Correia de Sá sozinho nas escadas vazias do
palácio real, o silêncio mortal que habitava a cela de Damião de Góis e
acompanhou a exumação e despejo dos pobres ossos de Horta no Mandovi pelos seus
inquisidores, o silêncio que queimou as cartas de Manuel Bocarra Francês, ha! o
silêncio que cozeu a boca do operário erudito do Arsenal, o que fundou
bibliotecas nas oficinas, da melhor literatura, não apenas das técnicas e
ofícios, ele também flagelado do vento leste, em Cabo Verde… Este silêncio
português que nos rouba o corpo e as almas dos estrangeirados.
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