sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Portugal 9: “A Europa gasta cem vezes mais com a agricultura do que com a segurança.”


A Europa gasta cem vezes mais com a agricultura do que com a segurança.” Era o título de primeira página
de um jornal de referência. Não li o resto, mas o sentido, fosse qual fosse o conteúdo, estava dado. A segurança, hoje, é cem vezes mais importante do que a agricultura. O contraponto para o apelo ao investimento na segurança é a menos valia da agricultura. Este jornalista, confinado aos sete palmos de secretária, acha que o ar puro é uma dádiva inesgotável do Criador. A água, um jorro eterno das fontes celestiais. E a comida, o complexo resultado da combinação dos adubos, com os pesticidas, o trabalho das máquinas ferramentas e belas sementes geneticamente melhoradas nos urbanos laboratórios. E até pode ser que nunca tenha pensado nisto. No entanto, o estatuto editorial do seu periódico afirma-o com não confessional, laico e objectivo como o monotipo da notícia. E por isso escrevo, que é preciso escavar a verdade, lavrar o seu campo e respirar-lhe livremente o perfume molhado. Não por romantismo, apego à mística da natureza ou aos milhões de euros destinados a financiar a destruição e a venda a pataco dos produtos agrícolas europeus nos mercados do terceiro e do quarto mundo. Apenas porque 24 horas por dia, todos os dias de todos os anos, fábricas vivas de oxigénio estendem as suas ramagens para o sol absorvendo o ar envenenado, enquanto seguram o solo, retêm as correntes da chuva e o alimentam. Tal como aos seus animais, incluindo as aves e miríades de pequenas criaturas fervendo de vila entre sais minerais e a manta morta que cobre a terra, ao mesmo tempo que semeiam e distribuem bagas e frutos. São mesmo elas que seguram as frágeis dunas de areia e confinam o mar ao seu berço de ondas. E caem mortas, jazem sepultadas por milhões de anos, para renascer transformadas em carvão, petróleo e gás natural. Mas no seu reino vegetal e mineral, domina agora o bicho homem, animal das clareiras, que expulsou as deusas antigas, arquitecto e engenheiro de socalcos e florestas, lameiras e prados de lima, várzeas e bosquetes, sentado no trono de Deus pai, o supremo demiurgo decidindo quem deve sobreviver ou ser extinto, nos deltas fertilíssimos dos grandes rios ou nas paisagens geladas da tundra, nos jardins mediterrâneos ou nas montanhas inóspitas do tecto do mundo.

Se não fora estes braços cansados, estes rostos tisnados, estas faces de velhos e velhas já sem a sombra da beleza juvenil, jugularíamos afinal o homem como o lobo do homem. Aproximemos um pouco mais da vida a filosofia ( e o jornalismo) e o seu discurso e entenderemos que há uma classe de gente que guarda ainda a fertilidade da terra mãe. E existe um fio invisível que ata a mão do jornalista aos golpes de cutelo do financeiro, investidor bem sucedido na pasta de papel e no negócio das paletes.



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