sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Portugal 10: Das savanas africanas, deixando para trás a protecção da Montanha Mágica...

Das savanas africanas, deixando para trás a protecção da Montanha Mágica, a família de Lucy, o
hominídeo que foi a nossa ancestral avó, partiu a caminho da Europa e da Ásia, passou mais tarde às Américas depois de ter perdido os filhos e os netos nos gelos dos Alpes e dos Urais. Embarcou numa jangada sem retorno no oceano deserto do Pacífico e ali chorou outra vez a terrível morte dos que sucumbiram à sede e ao braseiro do grande sol. Mas beijou de novo os últimos descendentes e confiou-lhes o destino às correntes, sabendo que nunca mais os veria e nem sequer poderia sonhar com o bálsamo do esperado regresso. E a propósito, questiono-me: Quando começámos a sonhar? Foi no início da caminhada, na hora fatal em que, empoleirados num seco embondeiro, deixámos perder a cria mais jovem para a leoa, a verdadeira rainha dos caçadores? Ou perante o silêncio branco da morte nas montanhas? Ou foi afinal, quando tanta perda e dor pareciam já insuportáveis, chegámos às praias douradas desta finisterra e nos entregámos, sem medo nem esperança, ao embalo do mar?

E quando descansámos, finalmente? Quando o degelo encheu a tundra de gigantescos veados e pacíficos mamutes, que nos olhavam confiantes mesmo na hora em que a nossa lança de pedra lhes penetrava os flancos? Ou foi no despertar aterrorizado, em pleno deserto do Calaari, depois de noites ininterruptas de chuvas diluvianas, e relâmpagos que pareciam esventrar a terra e engolir o céu, quando já sufocávamos submersos por rios de lama fria e eis que de súbito, a quietude chegou, ao longe um frémito, depois um estertor surdo e sacudindo os nossos pobres corpos dispersos ao acaso sobre as árvores arrancadas e a terra informe, um tropel de milhões de cascos fez ressoar os tambores da vida?!

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