segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Portugal 17: Encontrei-me um dia em sonhos com Herculano, na sua quinta, para os lados de Sintra.

Encontrei-me um dia em sonhos com Herculano, na sua quinta, para os lados de Sintra.
Explicou-me, simplesmente, que lhe aborrecia Lisboa, com o seu verniz afrancesado, mas também os que choravam lágrimas de bucolismo contra a chegada das poderosas maquinarias. Sobre o assunto, deu-me a ler a carta resposta a Bulhão Pato. Agastado estava de facto com Teófilo, aquela crença dogmática na prosperidade geral republicana, as promessas de fomento da instrução e da indústria pela acção das instituições do novo regime, temia ele que se perdessem nas chapeladas dos votos e nos conluios das velhas câmaras de deputados e administradores, nos intricados negócios de importação dos trigos duros ingleses e dos seus comparsas na indústria da moagem. E receava sobretudo pela sorte dos pequenos camponeses e rendeiros: os frades estavam gordos e desleixados, os padroados decadentes, mas havia trabalho e colheitas e lá se iam remediando as famílias que granjeavam as cercas e as quintas. Mas na cidade, com os novos barões da banca, do comércio e do latifúndio, especulando e vendendo, desconfiados da indústria tanto como da ciência, como podiam os que deixaram queimar os códices de Santa Cruz nas fogueiras dos cocheiros, no caminho para a biblioteca pública, e derrubavam as pedras lavradas pelos canteiros manuelinos por agoniarem o seu valor artístico e retiravam as ameias e os brasões de armas dos castelos para servir de alicerce aos seus chalés, respeitar os novos proletários sem vintém? Mas modesto e desinteressado, como sempre, deu-me sobretudo conselhos para o nosso futuro, de que já não iria beneficiar, como é natural pelas leis da vida e da morte. Baixou a voz e segredou-me cauteloso...

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